sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014


  Hoje, Drª. Elisabet, minha mãe, estaria completando 69 anos de idade se ainda estivesse entre nós. Nascida aos 14 de fevereiro de 1945. Mulher à frente de seu tempo, guerreira audaz. Falha, como todos nós e cheia de vida, bondade e ensinamentos. Costumava dizer: "A vida é uma proposta individual." e "Um lugar pra cada coisa, cada coisa em seu lugar." Entretanto, o que de fato aprendi com ela foi que não podemos resolver um problema apenas nos preocupando. Devemos, sim fazer tudo o que nos cabe em relação ao problema e, se não for o bastante, nos resignar e confiar Nele. Aos 32 anos de idade, formanda em Bioquímica, descobriu um tumor no útero e recomendaram-lhe que o retirasse de imediato. Ela então, solteira, em meio à sociedade brasileira do final da década de 1970, decidiu ter um filho antes de retirar o útero. Teve que sair da casa dos irmãos quando a barriga começou a aparecer. Não pelos irmãos, mas era muito vergonhoso naquela época, uma mulher solteira e grávida. A menos que o pai fosse o boto. Oh tempora, oh mores! Nesse tempo, ela já trabalhava oito horas por dia como bancária e estava concluindo o curso de farmácia na UFC. Pegou um dinheiro que estava juntando para comprar um carro e comprou uma casa aonde um de meus tios foi morar com ela. Ao revelar ao "homem" que a havia engravidado, teve uma surpresa. Ele era noivo, ficou atônito, disse que já tinha uma filha de nove anos que era criada por seus pais. Ela então disse-lhe que não se preocupasse, que nenhuma responsabilidade recairia sobre ele. Ela teve uma "produção independente". Ao ver-me afastado dela por sua morte aos 2 de março de 2012, me perguntei que filho fui eu. Muitos de seus anos, ela viveu em função de mim. Posso dizer que ela dedicou considerável parte da sua vida a mim. E quantas decepções eu lhe causei! Mas, antes que eu pudesse mergulhar nessas elocubrações, em seu funeral, tantos eram os rostos de pessoas de quem eu mal me lembrava da minha infância que vinham me dizer: "Sua mãe me ajudou quando eu mais precisei. " Sua mãe ia sempre a minha casa auferir a minha pressão." ou "Sua mãe ia sempre a minha casa me aplicar injeção." ou ainda, "Ela me vendeu muito remédio fiado." Eu não atinava no quanto minha mãe é querida e amada. Certamente, ela está num bom lugar! Quão generosa, desprendida, caridosa e boa é a minha mãe, Drª Elisabet! Como seu sucessor, como poderia eu honrar a memória de tão memorável alma? De que valeu tanta abnegação para me trazer aqui? Que sorte de filho fui eu? Posso me empenhar ao máximo para honrar sua memória, representar volorosamente seu sangue, seu nome, sua bondade. Espero um dia estar à altura de tamanha incumbência. O que de fato importa é que ela está em um bom lugar, pois é uma boa pessoa. Feliz aniversário, minha amada mãe! Lamento não estar na sua companhia, mas espero reencontrá-la no tempo do Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Sua bênção.

sábado, 1 de outubro de 2011

     Dentre vários projetos com o intuito de popurarizar a Ciência entre nossos alunos, participei daquele que, como os demais promovidos pela prefeitura de Caucaia, incentivou a produção de contos de ficção científica.
     Na culminância, os textos selecionados serão publicados em um livro. Entretando, me doeu pensar que apenas um texto será selecionado a cada turma e pedi a autorização de alguns dos meus alunos para divulgar aqui, o seu trabalho, do qual me orgulho em ter contribuído e acompanhado seu processo de construção.
     São todos alunos do colégio Luzia Correia Sales, Tabuba, Caucaia. Os alunos são: Antônio Márcio Ferreira Anastácio, Francisca Fabiana de Souza, Maria Lauriane Martins da Silva e Verônica Sotlar.
Luzia Correia Sales; Antônio Márcio Ferreira Anastácio 8º ano A Tarde

A volta
No nosso novo planeta é bem legal. A gravidade é bem menor que a da Terra bastante para pularmos bem alto. As frutas e hortaliças daqui são mais nutritivas porque o solo deste planeta as tornou duas vezes maiores e mais vitaminadas do que na Terra. Aqui, o dia tem 38 horas, nós temos dois sóis e três luas. Quando acontece um eclipse é muito lindo! Eles chegam a durar uma hora. Nosso ano tem dezoito meses por causa da distância entre este planeta e o Sol maior. Depois que chegaram aqui, os animais terrestres se cruzaram com os que já existiam aqui e surgiram outros animais mais adaptados e lindos também. Nossos mascotes são pássaros rais, e são chamados rais porque quando se encostam uns nos outros, liberam energia. Temos outros tipos de mascotes, mas os preferidos são os pássaros rais.
Certo dia, recebemos a notícia vinda do planeta que foi povoado pelos E.U.A. de que o planeta Terra, nosso antigo planeta comum, se reconstituiu e está maior. Ele está como era na Era Glacial. Agora, temos uma séria decisão a tomar: voltamos a povoar a Terra ou permanecemos aqui? Afinal, nossos antepassados quase destruíram aquele planeta e tiveram que povoar outros planetas para continuar vivendo. Depois de uma assembeia, decidimos voltar à Terra.e levar sementes, animais, hortaliças híbridas que se transformaram aqui. Já estamos indo. A viagem vai demorar dois anos-luz e precisamos tomar cuidado por que teremos de passar por uma constelação povoada por inimigos.
Finalmente chegamos de volta à nossa antiga Terra! Além de nós, outros humanos também voltaram para colonizar novamente a Terra. Mas, desta vez, vamos cuidar melhor do nosso planeta renovado. Vamos aproveitar esta segunda chance para que não tenhamos que viajar e colonizar outro planeta novamente.
Francisca Fabiana de Souza 8º ano A Tarde

Folha do diário da Fabi
Hoje, vinte de janeiro do ano 3000, é feriado por que é a data comemorativa do aniversário do meu avô. Ele foi um homem muito importante e até hoje é lembrado e reverenciado quase como um deus para muitas pessoas.
Meu avô contou que havia um outro planeta que se chamava Terra, de onde nossos antepassados vieram porque a maioria dos habitantes de lá não cuidavam do ambiente como deviam. E, com o passar do tempo, o planeta deles foi se deteriorando, Mas poucas pessoas tentavam reverter aquilo, e, como eram poucas as pessoas que tinham essa preocupação, não adiantava de nada. A situação da Terra chegou a um ponto que era inevitável o fim, todas as pessoas estavam ficando com problemas de saúde por causa do baixo nível do oxigênio no ar e a radiação do Sol não era recomendável para ninguém.
No ano de 2013, os cientistas avisaram que todos teriam que evacuar o planeta porque as pessoas morreriam mesmo antes da destruição final da Terra. Eles quase não tinham mais uma coisa chamada Camada de Ozônio. E essa camada não dava pra voltar atrás. Muitas pessoas acharam que fosse mentira e debochavam: “A situação só vai piorar muito depois que a gente já tiver morrido.” Mas o calor do Sol e o câncer de pele mostraram que não era brincadeira.
De repente, os canais de TV das rádios começaram a anunciar que vários países estavam construindo ônibus espaciais gigantes. Todos ficaram desesperados para conseguir embarcar. Mas tudo ocorreu bem, todos conseguiram se acomodar com um ônibus para cada país.
Então todos passaram a se perguntar: “Para onde nós vamos? Será que vamos vagar pelo universo até acabarem os suprimentos?” Anos luz depois, um ônibus aterrissou neste planeta. E outros, em outras galáxias. Para eles, tudo aqui era diferente. O ar, a comida, o dia, a noite... Aos poucos eles se adaptaram à vida aqui. Nos relatos do meu avô, que era o comandante do ônibus espacial que trouxe todos deste planeta, o mais difícil pra eles se acostumarem foi com a duração do dia: 45 horas. É o tempo que o nosso planeta leva pra dar uma volta nele mesmo. Na Terra, o dia durava 24 horas – que esquisito.
Hoje, comemoramos a manobra do meu avô que consegui achar este planeta antes dos suprimentos da nave acabarem. Ele garantiu as nossas vidas e é sempre lembrado como o maior herói do nosso planeta.  
Maria Lauriane Martins da Silva 8º ano A Tarde

A jovem cientista
Num mundo onde o planeta Terra tinha pessoas de extrema capacidade de cientifização, ou seja, de criar coisas incríveis. A Terra ficava protegida da radiação ultravioleta enquanto o Sol iluminava o hemisfério e a Lua refletia parcialmente no outro. Havia então uma jovem que tinha acabado seu curso universitário na alta escola de “cientização”. Era uma moça que sempre quis crescer entre cientistas.
Muitas pessoas estavam morrendo por causa do temível câncer. Essa moça sonhava em um dia encontrar a cura para todos. Já que a Terra era bem tratada nessa época: não havia poluição nem queimadas nem desmatamento tampouco aquecimento global. A Ciência dominava tanto a Terra que não havia nenhum problema com o planeta. Então a moça pode se dedicar à suas pesquisas no encalço de alguma cura para a terrível doença conhecida como câncer.
Passados três anos, ela ficou conhecida por todo o mundo por ter criado o soro da cura e passou a procurar transformá-lo numa vacina cujo nome era “canceriginismo”. Quatro meses depois, todos se esqueceram da doença que tinha sido erradicada. A Terra começou a ter problemas. As pessoas estavam agindo como irracionais. Elas não davam mais valor às coisas do seu próprio lar. O meio ambiente estava se desgastando e quanto à Terra, como dizer...”Maus tempos estão por vir!”
A jovem achou a cura da doença e, logo, a doença e a jovem foram esquecidas, mas foi a vacina que causou um grande desvio mental no qual as únicas pessoas não atingidas pelo efeito colateral da vacina ainda estavam para nascer.
Verônica Sotlar 8º ano A Tarde

Adaptação
A vida do jeito que era conhecida. Os adultos tinham seus empregos e as crianças iam à escola. Todos tinham seus lares. As tarefas do dia-a-dia facilitadas pela tecnologia, como por exemplo, abrir as portas ou mesmo fazer faxina, para tudo já havia máquinas ou aparelhos para fazer no lugar das pessoas. Só que isso lhes trouxe um problema ambiental. Muita tecnologia produz Co2 entre outros gases poluentes. Como já sabiam, esses gases causam buracos na Camada de Ozônio, assim facilitando a passagem dos raios ultravioletas do sol com temperaturas mais elevadas até a superfície da Terra.
O planeta Terra começou a esquentar e a Antárdida e as calotas polares a derreter. O gelo se transformou em água. O nível dos mares e dos rios se elevava a cada hora, a cada minuto.
A força das águas era tamanha que destruía casas e prédios. No começo, só no litoral, mas ela continuava entrando e se aproximando do interior. As águas logo cobriam grandes cidades localizadas perto das praias. As pessoas tentavam salvar suas vidas, ganhavam barcos para se salvar. Deixavam tudo para trás, apenas queriam salva as vidas das pessoas mais próximas. Muitos corpos humanos, já sem vida, flutuavam por todos os lados. Milhões de pessoas morreram tentando sobreviver, mas nos botes, não tinha espaço para todos.
Quando as águas pararam de subir tão intensamente, todo mundo foi levado para as montanhas e lugares que não foram atingidos. Como o estrago era grande e quase tudo tinha sido devastado pela enchente, os sobreviventes se organizaram usando o material e conhecimento disponíveis, chegando a construir moradias embaixo das águas. A fome e a sede eram agora como uma praga. Por isso, começaram a desenvolver alimentos que pudessem ser produzidos e cultivados artificialmente nos submarinhos. Construíram grandes máquinas de dessalinização ultra-rápida. Os sobreviventes se acomodaram nos tubos abaixo dos oceanos até uma altitude de menor pressão. A vida foi mudada. Agora tudo acontece sob as profundezas das águas misteriosas. 
Essa foi a forma que encontrei de prestigiar o trabalho de um maior número de estudantes autores e, ao mesmo tempo, disponibilizá-lo aos seus colegas. Apreciem e comentem.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

A nossa conscientização, bem como a divulgação destas informações são nosso dever social. Busquemos nos informar. Há muitos sites interessantíssimos sobre as relações entre pais, mães e filhos.
A seguir, trechos de um folder que não consegui postar por causa do tamanho.
O QUE É ALIENAÇÃO PARENTAL?
Síndrome de Alienação Parental (SAP), também conhecida pela sigla em inglês PAS, é o termo proposto por Richard Gardner em 1985 para a situação em que a mãe ou o pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro genitor, criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação ao outro genitor.
Os casos mais frequentes da Síndrome da Alienação Parental estão associados a situações onde a ruptura da vida conjugal gera, em um dos genitores, uma tendência vingativa muito grande. Quando este não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, desencadeia um processo de destruição, vingança, desmoralização e descrédito do ex-conjuge. Neste processo vingativo, o filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro.
A Alienação Parental não é um problema somente dos genitores separados. É um problema social, que, silenciosamente, traz consequências nefastas para as gerações futuras.
Alguns sites muito interessantes:
http://www.apase.org.br/
http://www.pailegal.net/
http://www.participais.com.br/
http://www.sos-papai.org/br_index.html

sábado, 11 de abril de 2009


Recebi essa imagem em um email e achei muito engraçada. É um professor na Pré-história.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Visão panorâmica introdutória à Ética.

De início, preciso deixar evidente que as ideias a seguir não são originariamente minhas, mas sinto a necessidade de difundí-las.
Em muitas circunstâncias, ficamos tocados, comovidos com alguém cujas palavras e ações manifestam honestidade, honadez, espírito de justiça, altruísmo, ainda mais quando isso lhe requer sacrifícios. Sentimos que há generosidade e dignidade nessa pessoa. Do mesmo modo, sentimos cólera diante do cinismo dos mentirosos, dos que usam outras pessoas como instrumento para seus interesses e para conseguir vantagens às custas da boa-fé dos outros. Todas essas sensações são manifestações do nosso senso moral.
Nossas dúvidas diante de alternativas "justas" ou "injustas" não só manifestam nosso senso moral, mas também põem à prova nossa consciência moral, pois exigem que decidamos o que fazer, que justifiquemos para nós mesmos e para os outros as razões de nossas decisões e que assumamos todas as consequênciasdelas, porque somos responsáveis pelos nossos atos. Os sentimentos e as ações nascidos de uma opção entre o bom e o mau ou entre o bem e o mal, também estão referidos a algo mais profundo e subentendido: o nosso desejo de afastar a dor e o sofrimento e de alcançar a felicidade, seja por ficarmos contentes conosco mesmos, seja por recebermos a aprovação dos outros.
Juízos de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e por que são.
Juízos de valor avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis.
A Cultura nasce da maneira como os seres humanos interpretam-se a si mesmos e as suas relações com a Natureza, acrescentando-lhe sentidos novos, intervindo nela, alterando-a através do trabalho e da técnica, dando-lhe valores.
Frequentemente, não notamos a origem cultural dos valores éticos, do senso moral e da consciência moral, porque somos educados para eles e neles, como se fossem naturais ou fáticos, existentes em si e por si mesmos. A natrualização da existência moral esconde, portanto, o mais importante da ética: o fato de ela ser criação histórico-cultural.
A consciência moral manifesta-se, antes de tudo, na capacidade para deliberar diante de alternativas possíveis, decidindo e escolhendo uma delas antes de lançar-se na ação. Tem a capacidade para avaliar e pensar as motivações pessoais, as exigências feitas pela situação, as consequências para si e para os outros, a conformidade entre meios e fins (empregar meios imorais para alcançar fins morais é impossível), a obrigação de respeitar o estabelecido ou de transgredí-lo (se o estabelecido for imoral ou injusto).
A vontade é esse poder deliberativo e decisório do agente moral. Para que exerça tal poder sobre o sujeito moral, a vontade deve ser livre, isto é, não pode ser submetida à vontade de um outro nem pode estar submetida aos instintos e às paixão, mas, ao contrário, deve ter poder sobre eles e elas.
O sujeito ético ou moral, ou seja, a pessoa, só pode existir se preencher as seguintes condições:
ser consciente de si e dos outros;
ser dotado de vontade;
ser responsável;
ser livre.
Do ponto de vista do agente ou sujeito moral, a ética faz uma exigência essencial, qual seja, a diferença entre a passividade e a atividade. Passivo é aquele que se deixa governar e arrastar pelos seus impulsos, inclinações e apixões, pelas circunstâncias, pela boa ou má sorte, pela opinião alheia, pelo medo dos outros, pela vontade de um outro, não exercendo sua própria consciência, vontade, liberdade e responsabilidade.
Ao contrário, é ativo ou virtuoso aquele que controla interiormente seus impulsos, suas inclinações e suas paixões, discute consigo mesmo e com outros o sentido dos valores e dos fins estabelecidos, indaga se devem e como devem ser respeitados ou transgredidos por outros valores e fins superiores aos existentes, avalia sua capacidade para dar a si mesmo as regras de conduta, consulta sua razão e sua vontade antes de agir, tem consideração pelos outros sem subordinar-se nem submeter-se cegamente a eles, responde pelo que faz, julga suas próprias intenções e recusa a violência contra si e contra os outros.

domingo, 31 de agosto de 2008

Ética e valores morais Versus Poder

Como mote para o início de problematização de tão complexa questão, temos abaixo um trecho extraído de A República de Platão. Ele trata do mito do anel de Giges:

— Falar a favor da justiça, como sendo superior à injustiça, ainda não o ouvi a ninguém, como é meu desejo — pois desejava ouvir elogiá-la em si e por si. Contigo, sobretudo, espero aprender esse elogio. Por isso, vou fazer todos os esforços por exaltar a vida injusta; depois mostrar-te-ei de que maneira quero, por minha vez, ouvir-te censurar a injustiça, e louvar a justiça. Mas vê se te apraz a minha proposta.
— Mais do que tudo — respondi —. Pois de que outro assunto terá mais prazer em falar ou ouvir falar mais vezes uma pessoa sensata?
— Falas à maravilha — disse ele —. Escuta então o que eu disse que iria tratar primeiro: qual a essência e a origem da justiça.
Dizem que uma injustiça é, por natureza um bem, e sofrê-la, um mal, mas que ser vítima de injustiça é um mal maior do que o bem que há em cometê-la. De maneira que, quando as pessoas praticam ou sofrem injustiças umas das outras, e provam de ambas, lhes parece vantajoso, quando não podem evitar uma coisa ou alcançar a outra, chegar a um acordo mútuo, para não cometerem injustiças nem serem vítimas delas. Daí se originou o estabelecimento de leis e convenções entre elas e a designação de legal e justo para as prescrições da lei. Tal seria a gênese e essência da justiça, que se situa a meio caminho entre o maior bem — não pagar a pena das injustiças — e o maior mal — ser incapaz de se vingar de uma injustiça. Estando a justiça colocada entre estes dois extremos, deve, não preitear-se como um bem, mas honrar-se devido à impossibilidade de praticar a injustiça. Uma vez que o que pudesse cometê-la e fosse verdadeiramente um homem nunca aceitaria a convenção de não praticar nem sofrer injustiças, pois seria loucura. Aqui tens, ó Sócrates, qual é a natureza da justiça, e qual a sua origem, segundo é voz corrente.
Sentiremos melhor como os que observam a justiça o fazem contra vontade, por impossibilidade de cometerem injustiças, se imaginarmos o caso seguinte. Dêmos o poder de fazer o que quiser a ambos, ao homem justo e ao injusto; depois, vamos atrás deles, para vermos onde a paixão leva cada um. Pois bem! Apanhá-lo-emos, ao justo, a caminhar para a mesma meta que o injusto, devido à ambição, coisa que toda a criatura está por natureza disposta a procurar alcançar como um bem; mas, por convenção, é forçada a respeitar a igualdade. E o poder a que me refiro seria mais ou menos como o seguinte: terem a faculdade que se diz ter sido concedida ao antepassado do Lídio [Giges]. Era ele um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia. Devido a uma grande tempestade e tremor de terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho. Admirado ao ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras maravilhas que para aí fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas, espreitando através das quais viu lá dentro um cadáver, aparentemente maior do que um homem, e que não tinha mais nada senão um anel de ouro na mão. Arrancou-lho e saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunido, da maneira habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, o que dizia respeito aos rebanhos, Giges foi lá também, com o seu anel. Estando ele, pois, sentado no meio dos outros, deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro, em direcção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado, os quais falavam dele como se se tivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e virou para fora o engaste. Assim que o fez, tornou-se visível. Tendo observado estes fatos, experimentou, a ver se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; se o voltasse para fora, ficava visível. Assim senhor de si, logo tratou de ser um dos delegados que iam junto do rei. Uma vez lá chegado, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o e matou-o, e assim se assenhoreou do poder.
Se, portanto, houvesse dois anéis como este, e o homem justo pusesse um, e o injusto outro, não haveria ninguém, ao que parece, tão inabalável que permanecesse no caminho da justiça, e que fosse capaz de se abster dos bens alheios e de não lhes tocar, sendo-lhe dado tirar à vontade o que quisesse do mercado, entrar nas casas e unir-se a quem lhe apetecesse, matar ou libertar das algemas a quem lhe aprouvesse, e fazer tudo o mais entre os homens, como se fosse igual aos deuses. Comportando-se desta maneira, os seus atos em nada difeririam dos do outro, mas ambos levariam o mesmo caminho. E disto se poderá afirmar que é uma grande prova de que ninguém é justo por sua vontade, mas constrangido, por entender que a justiça não é um bem para si, individualmente, uma vez que, quando cada um julga que lhe é possível cometer injustiças, comete-as. Efetivamente, todos os homens acreditam que lhes é muito mais vantajosa, individualmente, a injustiça do que a justiça. E pensam a verdade, como dirá o defensor desta argumentação. Uma vez que, se alguém que se assenhoreasse de tal poder não quisesse jamais cometer injustiças, nem apropriar-se dos bens alheios, pareceria aos que disso soubessem muito desgraçado e insensato. Contudo, haviam de elogiá-lo em presença uns dos outros, enganando-se reciprocamente, com receio de serem vítimas de alguma injustiça. Assim são, pois, estes fatos.
Quanto à escolha, em si, entre as vidas de que estamos a falar, se considerarmos separadamente o homem mais justo e o mais injusto, seremos capazes de julgar corretamente. Caso contrário, não. Qual é então essa separação? É a seguinte: nada tiremos, nem ao injusto em injustiça, nem ao justo em justiça, mas suponhamos que cada um deles é perfeito na sua maneira de viver. Em primeiro lugar, que o injusto faça como os artistas qualificados — como um piloto de primeira ordem, ou um médico, repara no que é impossível e no que é possível fazer com a sua arte, e mete ombros a esta tarefa, mas abandona aquela. E ainda, se vacilar nalgum ponto, é capaz de o corrigir. Assim também o homem injusto deve meter ombros aos seus injustos empreendimentos com correção, passando despercebido, se quer ser perfeitamente injusto. Em pouca conta deverá ter-se quem for apanhado. Pois o supra-sumo da injustiça é parecer justo sem o ser. Dêmos, portanto, ao homem perfeitamente injusto à mais completa injustiça; não lhe tiremos nada, mas deixemos que, ao cometer as maiores injustiças, granjeie para si mesmo a mais excelsa fama de justo, e, se acaso vacilar nalguma coisa, seja capaz de a reparar, por ser suficientemente hábil a falar, para persuadir; e, se for denunciado algum dos seus crimes, que exerça a violência, nos casos em que ela for precisa, por meio da sua coragem e força, ou pelos amigos e riquezas que tenha granjeado. Depois de imaginarmos uma pessoa destas, coloquemos agora mentalmente junto dele um homem justo, simples e generoso, que, segundo as palavras de Ésquilo, não quer parecer bom, mas sê-lo. Tiremos-lhe, pois, essa aparência. Porquanto, se ele parecer justo, terá honrarias e presentes, por aparentar ter essas qualidades. E assim não será evidente se é por causa da justiça, se pelas dádivas e honrarias, que ele é desse modo. Deve pois despojar-se de tudo, exceto a justiça, e deve imaginar-se como situado ao invés do anterior. Que, sem cometer falta alguma, tenha a reputação da máxima injustiça, a fim de ser provado com a pedra de toque em relação à justiça, pela sua recusa a vergar-se ao peso da má fama e suas conseqüências. Que caminhe inalterável até à morte, parecendo injusto toda a sua vida, mas sendo justo, a fim de que, depois de terem atingido ambos o extremo limite, um da justiça, outro da injustiça, se julgue qual deles foi o mais feliz.
— Céus! Meu caro Gláucon! — exclamei —. Com que vigor te empenhas em limpar e avivar, como se fosse uma estátua, cada um dos dois homens, a fim de os submeter a julgamento!
PlatãoTradução de Maria Helena da Rocha PereiraAdaptação de Vítor João OliveiraRetirado de República. Lisboa: Gulbenkian, 4ª ed., 1983, pp. 55-60.
A partir da reflexão desse trecho podemos problematizar:
O Homem é capaz de escolher ser justo (ou honesto) mesmo quando ciente de que o injusto (ou desonesto) não seria punido? Noutras palavras, seria o Homem capaz de escolher o Bem em si?